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Quando tentamos voltar no tempo – e falhamos

  • Foto do escritor: Bruno Bigo Sini
    Bruno Bigo Sini
  • 17 de mar.
  • 3 min de leitura

Cresci em uma família tradicional de classe média, quando a classe média ainda significava viver sem luxo, mas também sem faltar nada. Todo ano, nas férias escolares, meus pais faziam questão de nos levar para viajar. Sempre nós quatro: meu pai, minha mãe, minha irmã e eu. Era sagrado.

Duas vezes por ano, em julho e janeiro, pegávamos a estrada rumo ao interior de São Paulo. Os destinos? Sempre hotéis fazenda a duas ou três horas de carro. Simples, mas perfeitos. Para mim, essa era a melhor época do ano.


O hotel que parecia um sonho


Entre tantas viagens, encontramos o hotel fazenda perfeito.

Logo na entrada, um casarão enorme, digno de novela de época, com suas madeiras escuras e escadas largas levando aos quartos. No fundo, um gramado imenso se estendia até a piscina e, depois dela, um lago gigantesco – ou pelo menos era assim que meus olhos de adolescente enxergavam.


Era o paraíso.


Minha irmã e eu formávamos um grupo inseparável com outros adolescentes e pré-adolescentes. Brincávamos na piscina, jogávamos bola, cavalgávamos, pedalávamos, atravessávamos a represa de caiaque até uma ilha para escalar os morros. Eram sete dias vivendo no volume máximo, sem celular, sem internet, sem distrações. A gente tinha que interagir. Como uma gangue, estávamos sempre juntos, compartilhando cada segundo.


E então… chegava o último dia.


A despedida era sempre digna de um drama mexicano. Eu chorava como se estivesse fechando um capítulo da vida – e, de certa forma, estava. Nos dias seguintes, ficava meio desorientado, sem paciência para ninguém. Era como se, ao sair daquele hotel, eu deixasse para trás um pedaço de mim.


O erro de tentar reviver um momento


Os anos passaram.


Recentemente, minha irmã voltou ao hotel, agora com meu cunhado e meus dois sobrinhos – um de cinco anos, outro de quase dois. Quando me ligou para contar, veio a bomba:


"Está tudo igual, mas tudo diferente."


O casarão continuava lá. A represa, a piscina, os morros... Mas não era mais o mesmo.

O que mudou? O hotel? O tempo? Minha irmã? Talvez um pouco de tudo. Mas, no fundo, a verdade é outra: momentos não são repetíveis.


A gente tenta. Volta a um lugar especial, refaz o mesmo trajeto, pede o mesmo prato, senta no mesmo banco. E nada acontece.


O que fez aqueles dias serem inesquecíveis não foi a paisagem. Foi quem estava ali, foi a idade que tínhamos, foi o jeito como o tempo parecia funcionar de outra maneira. Foi o fato de que ainda éramos novos demais para perceber que um dia tudo aquilo acabaria.


Quando minha irmã descreveu a viagem, percebi algo incômodo: a gente cresce e passa a visitar os lugares como se fossem museus da nossa própria vida. Queremos que tudo esteja no mesmo lugar, que as paredes falem, que o vento traga o mesmo cheiro. Mas um lugar sem as mesmas pessoas, sem aquela energia, é só um cenário vazio.


E então lembrei de uma verdade simples, que os estoicos já entendiam há séculos: a mudança é inevitável e o apego ao que já passou só traz frustração.


Sêneca dizia que sofremos mais na imaginação do que na realidade, e talvez seja isso que acontece quando tentamos recriar um momento especial. Sofremos porque queremos que algo seja exatamente como antes, mas o passado não nos pertence mais.


O problema de tentar reviver o passado é que, no máximo, conseguimos uma réplica. E réplicas nunca carregam a mesma alma do original.

 
 
 

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